Eugenia Melo e Castro

domingo, 5 de julho de 2009

O colecionador de calcinhas

Perturbado pelo cheiro forte da tinta Juca deixou para o dia seguinte o pára-lamas que faltava para terminar a pintura do velho carro vermelho. Como fazia todo fim de tarde num salto se pendurou na porta da oficina que desceu com seu peso. Depois de trancá-la seguiu para casa. Meia hora de caminhada pelas ruas empoeiradas da pequena cidade. Às vezes achava mais divertido seguir pelos terrenos baldios ao redor das mansões, onde vez por outra, parava para observar furtivamente o que acontecia na intimidade da gente rica da cidade. Se um cão mais atento ameaçava denunciar sua presença, num gesto rápido, fingia apanhar uma pedra no chão e atirar na direção do animal, que quase sempre, saia ganindo em disparada. A tinta ainda fazia seu efeito, mas agora, a sensação era agradável. Lembrava o tempo de garoto quando cheirava cola com os moleques da rua. Caminhou na direção à Casa Amarela. Casa térrea com grande varanda na frente. Lá, morava a garota linda que não conseguia esquecer. Loura, queimada de Sol, riso debochado, cujos dezessete anos freqüentava suas fantasias solitárias. Mas tinha estranho respeito por ela. Talvez pela autoridade que sua mãe transmitia. Quando cruzava com ela pelas ruas, que nem sequer notava sua existência, Juca sentia um frio na barriga que não conseguia explicar.
Naquela tarde, por detrás da Casa Amarela, gigantesca bola vermelha no horizonte trouxe, num relance, a lembrança das tintas com seu cheiro perturbador. Ao passar pela casa ouviu a voz retumbante da poderosa mulher:
- Aninha, me traga a toalha que ficou em cima da minha cama!
Juca sentiu um “negócio esquisito". Entrou pelo terreno ao lado procurando não ser notado. Um tremor tomou conta do seu corpo e a excitação quase o fez perder o controle. Pela janela de um dos quartos com a luz apagada, pode ver a porta do banheiro entreaberta, por onde através de nuvem de vapor, grande espelho iluminado refletia o perfil embaçado de mulher nua. Juca mal conseguia respirar. A luz do quarto foi acesa. Um corpo monumental entrou enxugando os cabelos. Foi um momento de êxtase. A bela mulher estendeu uma toalha vermelha sobre a janela e retornou ao banheiro. Pouco depois voltou ainda nua e sobre a toalha colocou uma calcinha de seda preta. Parou diante do espelho da penteadeira, onde passou algum tempo a ajeitar os cabelos molhados e tornou a desaparecer no vapor. O rapaz ficou atordoado. Queria que o tempo houvesse parado. Tentava relembrar tudo o que havia visto e ainda tremia muito quando sentiu a cueca empapada. Movido por estranho comando, pulou a cerca viva que o separava da janela, pegou a calcinha molhada que num relance guardou debaixo da camiseta. Vencendo novamente a cerca correu sem parar com o coração quase explodindo. Já na rua, sentindo segurança tirou a calcinha de junto ao peito, colocou-a sobre o rosto e curtindo o cheiro de gente rica que o sabonete havia deixado desandou a gargalhar de felicidade. Tinha vontade de voltar. Queria ver de novo o corpo nu daquela mulher maravilhosa. Ter certeza de que não havia sido um sonho. Deitou em sua cama no cubículo onde morava só e levantando o troféu de seda preta sentiu pela primeira vez uma sensação de verdadeira conquista. Aquela calcinha lhe pertencia.
Na manhã seguinte acordou bem cedo. Precisava terminar a pintura do carro vermelho. Evitou passar pela casa Amarela. A casa da Aninha, de quem agora sabia o nome. Parecia ter cometido uma traição. Justo a calcinha da sua mãe! Um certo remorso ficou a perturbá-lo naquela manhã. Ao longo do dia o cheiro das tintas provocando alguma confusão em sua mente trazia a lembrança da aventura do dia anterior. Um misto de sonho e desejo. Mais uma vez aquela sensação esquisita que fazia com que perdesse totalmente o senso. Sua excitação foi tanta que por duas vezes se refugiou no banheiro da oficina. Numa delas gemeu tão alto quando gozava que o patrão do lado de fora perguntou se estava passando bem:
- Não é nada não. É a barriga que anda meio atrapalhada.
No fim da tarde o céu foi encoberto por nuvens de chuva que acabaram por desabar sobre a cidade. A expectativa de voltar à Casa Amarela ia água abaixo. Literalmente. Melhor ir de ônibus. Lotado. Depois de passar a duras penas pela catraca do cobrador conseguiu um ponto de equilíbrio ao lado de duas noviças, acompanhantes de uma freira, que sentada, se concentrava num pequeno livro. Uma das noviças, morena de cara bonita, ao vê-lo abriu grande sorriso. Tão insinuante que deixou Juca desconcertado. Com o chacoalhar do ônibus ela foi chegando. Se encaixou de bunda e o espremeu contra o ferro de um dos bancos com tal força que chegou a machucar suas costas. A primeira reação, apesar da dor, foi se desculpar, tentar sair daquela prensa. Mas, a moça se esfregando cada vez mais acintosamente não o deixava sair. No princípio ficou com medo do que os outros passageiros iriam pensar. Era ele a encoxar a noviça. Foi quando o tal "negócio esquisito" tomou conta de sua cabeça. Com cuidado para que ninguém notasse, levantou o hábito da garota, meteu a mão entre as suas pernas e foi subindo até ter sua bunda na palma da mão. Sentiu a calcinha da agora assustada e excitada noviça e com um puxão arrancou a peça que um relance, entre o ruído de tecido rasgado e o estalo do elástico se rompendo, foi parar no seu bolso. A noviça se afastou procurando dissimular a surpresa com um sorriso indecifrável. Algumas paradas depois elas desceram. Entre risos e gritinhos nervosos das meninas as três se perderam no aguaceiro. Aproximou a calcinha do rosto como se fosse um lenço e curtiu o cheiro íntimo da morena.
Sábado, dia sem atrativos. A noite pior ainda para quem não tem amigos. Costumava se perder na multidão que ocupava a praça da Matriz. De vez em quando dava umas voltas pela zona. Só para paquerar. Até chegava a se divertir fingindo negociar com as putas. Mas não tinha coragem de transar. Morria de medo de pegar alguma doença, tanto a mãe o alertara dos perigos da vida liberada. Órfão de pai, pressionado pela super proteção da mãe, sempre viveu isolado. A solidão na verdade não o incomodava. Era feliz com a liberdade em que vivia. Quando às vezes alguma garota o impressionava sentia certa melancolia. Mas sua timidez era barreira que não conseguiria romper. Quase sempre nas noites de sábado, depois de algumas voltas pela cidade ia cedo para o barraco conviver com seus fetiches.
Aquele dia não parecia ser diferente. Acordou tarde e saiu sem destino. Grande armação num terreno próximo ao centro chamou sua atenção. Imenso palco era erguido. Anunciavam para aquela noite a apresentação de famosa dupla caipira. Como qualquer coisa que quebra a rotina de cidade pequena, curiosidade geral. Uma quase multidão acompanhava o trabalho da montagem. Grandes caixas de som testadas faziam prever o alvoroço que aconteceria no pedaço. Câmeras em altas torres eram ligadas a imenso carro com cores e logotipo de importante rede de televisão. Atrativo irresistível. Juca não conseguiu sair do local. Queria ficar bem perto dos artistas. O show, marcado para as oito da noite, mas assim que foi escurecendo uma quantidade de gente como ele nunca poderia ter imaginado se espremia junto ao palco. Pouco antes das oito o aperto era sufocante, quase insuportável. Se quisesse sair não conseguiria mais. O empurra-empurra transformou aquela gente em maré humana que se agitava em ondas sem nexo, povoada de risos, gritinhos de deboche e histeria. Uma fumaça branca como neblina com cheiro de glicerina tomou conta do palco. Luzes. De um brilho nunca visto. A gritaria foi crescendo até que o som explodiu abafando o ruído da platéia maravilhada. Empurrado de um lado para outro Juca se deixava levar. Era impossível contrariar o movimento daquela massa humana. Na verdade achava até divertido. De vez em quando uma bunda mais volumosa passava. Era mão de todo lado. Aquele mar de gente ia se agitando e cantando ao ritmo das violas elétricas e dos refrões: "E se de dia a gente briga, de noite a gente se ama. É que as nossas diferenças acabam no quarto em cima da cama..." Foi quando um rosto conhecido apareceu por um instante no meio daquela zorra. Aninha. Aos empurrões Juca foi chegando mais perto. Ela e uma amiga curtiam o espetáculo. Com muita dificuldade Juca se aproximou. No palco, a música rolava: "Como é bonito ver deitado, ao nosso lado, o seu lingerie jogado sobre a minha calça jeans..." Depois de muito esforço conseguiu ficar bem atrás de Aninha que vestia uma mini-saia justa e provocante. Seus longos cabelos louros agitados ao ritmo das violas, vez por outra acariciavam o rosto do rapaz envolvendo-o com seu perfume. Jamais tinham estado tão perto. Chegaram a ficar com os corpos colados. Foi quando aquele “negócio esquisito” bateu de novo. Com o coração aos pulos, enfiou a mão debaixo da saia da loirinha que parecia não dar bola. Juca prosseguiu lentamente a apalpar as coxas da garota, agora excitado com a certeza que ela curtia. Até que parou de repente, como que atingido por um raio gelado nas entranhas. Naquele aperto e com certa facilidade a garota girou seu corpo ficando cara a cara com Juca absolutamente estático. Aninha encarou profundamente a alma do espantado rapaz como que sabendo estar ali quem levou a calcinha da sua mãe. Com gestos sensuais, numa dança provocante, Aninha se esfregou por alguns instantes no corpo petrificado de Juca. Em seguida, com uma gargalhada ruidosa e debochada puxou a amiga pelo braço e antes de se perder na multidão deixou um último olhar de desafio na direção do ainda aparvalhado e assustado rapaz, que acabava de constatar que Aninha...não usava calcinhas.
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Solano Ribeiro
2009

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