Eugenia Melo e Castro

sexta-feira, 24 de julho de 2009

O BIGODE DO PANACÁ

A sala Vip do aeroporto estava tranqüila até a entrada daquele bigode imenso. Sua simpatia contagiante arrancava sorrisos de quem seu olhar escolhia como alvo. Depois de virar num gole a primeira dose do scotch, com sorriso maroto segurou a mão do garçom forçando uma generosa segunda dose. Se espalhou numa poltrona e iniciou uma série de ligações em seu minúsculo celular. Falava alto numa linguagem cheia de sotaques onde um acento hispânico predominava.

Ao me instalar na primeira classe pensando mergulhar nas minhas leituras tive certa preocupação quando o chefe da equipagem apontou poltrona do meu lado àquele bigode. “Adeus sossego”...
- Óla, foi a chegada com o sorriso previsível.
- Alô, minha lacônica resposta tentando me esconder atrás do livro.
O bigode continuou:
- Como nossotros vamos passar la noche juntos é melhor que nos apressentemos. Eu sou Luis Jorge Penaforte. Soy senador y estou em missão secreta. Mas como para ustedes brassilenhos isto não tem la
menor importância jo voy logo abrindo el juego. Yo soy panaquenho.
- Panaquenho?
- Sy, soy Senador del Panacá.
- E o que é o Panacá.
- Un pais maravijoso que fica entre a Patagônia y el Canadá.
Como o mapa-múndi tem mudado tanto ultimamente achei que alguma revolução havia criado mais um paiséco num dia em que eu não tinha
lido jornal.
- E quantos habitantes tem o Panacá?
- No sabemos.
- Como não sabem?
- É uma opcion política para que não nos percamos en cálculos infindáveis del PIB, inflacion, balanço de pagamientos. Todo esto
no tem la menor importância.
- Como não tem importância? E como vocês administram sua economia?
- A nossotros não nos preocupa la economia. Tenemos o Banco
del Panacá que supre las necessidades de todos y esso nos deixa tranquilitos.
- Como assim?
- Bueno, en el Panacá no existe moneda, cada um compra lo que necessita y paga com cheques ou credit cards que son siempre cubiertos pelo Banco del Panacá. No hay problemas. Acaba siempre dando certo.
- Então não existem cheques sem fundos?
- Claro que no. Tudo pertence a todos. Solo es necessário tener lo cuidado de não gastar todo el salário máximo.
- Salário máximo?
- En todos los paises los trabajadores vivem lutando pelo salário mínimo, cierto? En El Panacá decidimos abolir el salário mínimo y criamos el máximo.Verdad que una grevita o otra siempre acontece,
mas, en geral todo mundo consegue lo que quiere.
- E funciona?
- En el Panacá, todo funcciona, acrescentou orgulhoso.

Neste ponto o avião começou os preparativos para a partida. Percebi meu companheiro de viagem um tanto indócil, parecendo procurar alguém à bordo. Então me segredou:
- Estoy viajando com um passaporte falsificado.
- Passaporte falso, porque?
- En el Panaca todos los ciudadanos tienen que tener bigodes. Un inventor panaqueño desenvolveu un sistema revolucionário de identificacion quando descubrió que no existe um bigode igual al otro, entonces el bigodes fue oficialissado como a parte a ser considerada para efecto de identificacion en los documientos. Es mui mejor que las impressiones digitales, por esso en las fotos de los passaportes panaqueños estan nuestros bigodes ampliados. As veces esto causa alguma confusão quando vamos entrar em ciertos países.
- E as mulheres?
- Las mujeres, quando van a tirar passaporte, colocam um bigode postiço oferecido pela migracion.
- Fornecidas pela migração?
- Usted sabe, los panaqueños viajan muito y siempre acompanhados, somos muy amorosos, então para evitar constrangimiento, la migracion fornece o bigode a ser fotografado pela mujer viajante. Abaixando a voz acrescentou com os olhos brilhando:
- Yo mismo, neste preciso instante, estoy acompanhado de uma secretária. Ela está en la classe executiva para no dar en la vista.
- A migração fornece o bigode? E como elas são diferenciadas?
- Aí está o segredo. Es lo mismo bigode para todas las mujeres.
No hay diferencia, assim se pode viajar tranqüilito com quem quiera.
- Ah entendi. Mas porque o passaporte falsificado.
- Usted sabe, a idade vai deixando los pelos blancos. É una gatona, então eu tingi o bigode, o que é proibidíssimo en el Panaca. Mas como escolhi voltar no meio da semana creio que não terei problemas.
- E porque?
- É que la equipe econômica, num lance genial, estabeleceu que los dias utiles são somente en sábados y domingos, com isso enganamos
a los países que estão descansando enquanto nossotros trabajamos duro. Para compensar, descansamos un poquitito mas en los otros dias
trabajamosduríssimo
.
Viva el Panacá.
Solano Ribeiro
2009

terça-feira, 7 de julho de 2009

Michael Jackson em São Paulo

Era eu diretor da Rede Tupi de Televisão quando recebi oferta de "Especial" com os Jackson 5. De graça. A gravadora queria promover o bando e um programa de televisão estava nos planos. A Tupi então detinha media de 25% no Ibope o que correspondia à metade da Globo já líder, que não se interessou. Única exigência: Liberar o menorzinho até às dez da noite. Para cumprir alguma lei americana e prevenir abusos com o pequeno Michael, uma negona parruda, elegante e sorridente, porém severa juíza de menores acompanhava o grupo. A Tupi tinha somente três câmeras collor. De tarde gravavam novelas nos estúdios de baixo. Subiam para o Jornal, apresentado ao vivo pelo Ferreira Martins e eram levadas para o auditório para os programas da linha de shows. E somente depois dos inevitáveis ajustes nos equipamentos, necessários depois de tantas horas ligados. Impossível terminar no horário. Até mesmo começar antes das dez. Percebendo a demora, a juíza passou a pressionar a produção. Em inglês. Mario Araújo, na época assessor da presidência, jogava todo seu charme e conhecimento shakespeareano sobre a imensa senhora na tentativa de conquistar sua simpatia. Tupi or not Tupi? Nove e meia e nada. Depois de demorado tour pelas dependências congestionadas da emissora para constatar nossa subdesenvolvida mas, simpática competência, apesar de envaidecida por gentilezas que jamais deve ter sido alvo na sua terra, com grande sorriso ameaçava melar a gravação. Afinal, era paga para proteger o moleque. Dura Lex Sed Lex. Não tem papo... Mario lançou sua última cartada:- "Minha Senhora, de maneira alguma queremos que deixe de cumprir com sua missão. Apenas que seja maleável quanto ao fuso horário. Onde é sua jurisdição?"- "L. A. California". No que Mario, rápido no gatilho concluiu:- "E que horas são agora em Los Angeles? "A gargalhada americana ecoou pelos Altos do Sumaré deixando enorme suspense quanto a sua decisão. Que veio depois de prolongado silêncio: -" Well you dirty sun of a bitch...mas se passar de onze e meia não tem mais conversa. This Is It". Às onze e vinte e nove, os últimos letreiros da ficha técnica davam por encerrada a gravação do programa com Michael, dos Jackson Five.
Solano Ribeiro

Motoqueiros...A solução é simples

De como a tolerância a uma infração, aliada a interesses comerciais, se transformou em problema social.

Quando da aprovação pelo então Presidente FHC do atual Código Brasileiro de Trânsito, o artigo 56 do texto original proibia a passagem de motos entre os veículos em circulação.Como no mundo inteiro. A indústria da moto e seus revendedores, que não poderiam ficar à mercê de um simples artigo a atrapalhar o seu negócio de bilhões, através de lobies e com provável “pedágio” conseguiu cortar do texto final a obrigatoriedade da moto ocupar seu antigo espaço. Passou a ser permitido que trafegasse pelo corredor entre os carros. Foi o sinal verde para que o inferno se instalasse nas ruas das grandes cidades brasileiras. A partir de então, a frota cresceu de tal maneira que verdadeiro enxame de motoqueiros tomou conta das ruas sendo a maior responsável pela deterioração da qualidade do ar, pois poluem 32 vezes mais que os carros emitindo 13,8% do monóxido de carbono. Além da poluição sonora causada pelas irritantes buzinas.
As estatísticas estão aí: morre pelo menos um motoqueiro a cada dia só na cidade de São Paulo, onde não são computados os que morrem nos hospitais, nem pedestres atropelados por motocicletas. Sem contar as centenas de casos que passam despercebidos, sendo notados apenas por aqueles que testemunham de perto a atividade do resgate a atrapalhar o seu caminho ou, pelo rádio, nas informações sobre o trânsito da cidade. São números inadmissíveis para um país civilizado. É nas ruas, no trânsito, que o cidadão mantém o seu contato mais íntimo com a organização da sua comunidade, com a eficiência do seu governo. Quantas vezes não ouvimos amigos citarem, cheios de admiração e como exemplo de ordem e progresso o rigor das leis de trânsito nos países por onde passaram. Mesmo tendo sido eles próprios admoestados ou até punidos, por alguma infração corriqueira cometida.
O Código de Trânsito, no primeiro momento obteve o apoio da maioria da população, mas com o tempo foi desmoralizado pela falta da capacidade de administra-lo, ou como tudo neste país, foi deixado de ser levado a sério. Da mesma maneira que para disciplinar o uso dos espaços na propaganda ao ar livre com “tolerância zero” é preciso acabar com a guerra que se instalou nas grandes cidades simplesmente com a revisão do Código Brasileiro de Trânsito fazendo voltar o artigo 56 que iria colocar motos e motoqueiros nos seus devidos lugares. E salvar vidas.

Qualquer dia algum vereador vai propor que se crie, (se é que já não existe), o Dia do Motoboy. Provavelmente aproveitará a ocasião para anunciar, em homenagem aos que morreram no trânsito, a abertura de licitação para a construção do monumento ao Motoqueiro Desconhecido.
(Dê sua opinião)

Solano Ribeiro



Cozette

Estrela do Palladium,
era a gostosa da foto.
Qualquer coisa,
uma coisinha
uma Cozette qualquer...
A luz do primeiro ato.

Na linha de frente das pernas,
sublimes coxas, vibrantes,
balançavam o coração de tantos...
e quantos...
da primeira a última fila
pagavam o show barato.

Nada mais acontecia
quando Cozette dançava.
A Cozette que sorria
Cozette, a que brilhava.
E a galera ululava
enquanto Cozette dançava...

No bastidor zoneado,
sozinho, apaixonado,
o garçom curtia o prêmio
que toda noite esperava:
Numa fresta do camarim
a visão do entreato,
com cheiro de pó de arroz
e a bundinha empinada
Cozette ensaiava no espelho
o sorriso retocado.

...e voltava ainda suada
buscando a luz que rasgava
a nuvem de fumo num facho.
E enquanto o maestro enfezado
regia cadeiras arrastadas,
o bêbado gritava:
- Dança Cozette gostosa
você vale uma briga em casa.

Entravam todas juntas
todas iguais, enganadas,
pois ninguém mais aparecia
quando Cozette dançava.
Só Cozette, a que sorria
Cozette que a todos amava.

E a galera ululava,
enquanto Cozette dançava...

domingo, 5 de julho de 2009

O colecionador de calcinhas

Perturbado pelo cheiro forte da tinta Juca deixou para o dia seguinte o pára-lamas que faltava para terminar a pintura do velho carro vermelho. Como fazia todo fim de tarde num salto se pendurou na porta da oficina que desceu com seu peso. Depois de trancá-la seguiu para casa. Meia hora de caminhada pelas ruas empoeiradas da pequena cidade. Às vezes achava mais divertido seguir pelos terrenos baldios ao redor das mansões, onde vez por outra, parava para observar furtivamente o que acontecia na intimidade da gente rica da cidade. Se um cão mais atento ameaçava denunciar sua presença, num gesto rápido, fingia apanhar uma pedra no chão e atirar na direção do animal, que quase sempre, saia ganindo em disparada. A tinta ainda fazia seu efeito, mas agora, a sensação era agradável. Lembrava o tempo de garoto quando cheirava cola com os moleques da rua. Caminhou na direção à Casa Amarela. Casa térrea com grande varanda na frente. Lá, morava a garota linda que não conseguia esquecer. Loura, queimada de Sol, riso debochado, cujos dezessete anos freqüentava suas fantasias solitárias. Mas tinha estranho respeito por ela. Talvez pela autoridade que sua mãe transmitia. Quando cruzava com ela pelas ruas, que nem sequer notava sua existência, Juca sentia um frio na barriga que não conseguia explicar.
Naquela tarde, por detrás da Casa Amarela, gigantesca bola vermelha no horizonte trouxe, num relance, a lembrança das tintas com seu cheiro perturbador. Ao passar pela casa ouviu a voz retumbante da poderosa mulher:
- Aninha, me traga a toalha que ficou em cima da minha cama!
Juca sentiu um “negócio esquisito". Entrou pelo terreno ao lado procurando não ser notado. Um tremor tomou conta do seu corpo e a excitação quase o fez perder o controle. Pela janela de um dos quartos com a luz apagada, pode ver a porta do banheiro entreaberta, por onde através de nuvem de vapor, grande espelho iluminado refletia o perfil embaçado de mulher nua. Juca mal conseguia respirar. A luz do quarto foi acesa. Um corpo monumental entrou enxugando os cabelos. Foi um momento de êxtase. A bela mulher estendeu uma toalha vermelha sobre a janela e retornou ao banheiro. Pouco depois voltou ainda nua e sobre a toalha colocou uma calcinha de seda preta. Parou diante do espelho da penteadeira, onde passou algum tempo a ajeitar os cabelos molhados e tornou a desaparecer no vapor. O rapaz ficou atordoado. Queria que o tempo houvesse parado. Tentava relembrar tudo o que havia visto e ainda tremia muito quando sentiu a cueca empapada. Movido por estranho comando, pulou a cerca viva que o separava da janela, pegou a calcinha molhada que num relance guardou debaixo da camiseta. Vencendo novamente a cerca correu sem parar com o coração quase explodindo. Já na rua, sentindo segurança tirou a calcinha de junto ao peito, colocou-a sobre o rosto e curtindo o cheiro de gente rica que o sabonete havia deixado desandou a gargalhar de felicidade. Tinha vontade de voltar. Queria ver de novo o corpo nu daquela mulher maravilhosa. Ter certeza de que não havia sido um sonho. Deitou em sua cama no cubículo onde morava só e levantando o troféu de seda preta sentiu pela primeira vez uma sensação de verdadeira conquista. Aquela calcinha lhe pertencia.
Na manhã seguinte acordou bem cedo. Precisava terminar a pintura do carro vermelho. Evitou passar pela casa Amarela. A casa da Aninha, de quem agora sabia o nome. Parecia ter cometido uma traição. Justo a calcinha da sua mãe! Um certo remorso ficou a perturbá-lo naquela manhã. Ao longo do dia o cheiro das tintas provocando alguma confusão em sua mente trazia a lembrança da aventura do dia anterior. Um misto de sonho e desejo. Mais uma vez aquela sensação esquisita que fazia com que perdesse totalmente o senso. Sua excitação foi tanta que por duas vezes se refugiou no banheiro da oficina. Numa delas gemeu tão alto quando gozava que o patrão do lado de fora perguntou se estava passando bem:
- Não é nada não. É a barriga que anda meio atrapalhada.
No fim da tarde o céu foi encoberto por nuvens de chuva que acabaram por desabar sobre a cidade. A expectativa de voltar à Casa Amarela ia água abaixo. Literalmente. Melhor ir de ônibus. Lotado. Depois de passar a duras penas pela catraca do cobrador conseguiu um ponto de equilíbrio ao lado de duas noviças, acompanhantes de uma freira, que sentada, se concentrava num pequeno livro. Uma das noviças, morena de cara bonita, ao vê-lo abriu grande sorriso. Tão insinuante que deixou Juca desconcertado. Com o chacoalhar do ônibus ela foi chegando. Se encaixou de bunda e o espremeu contra o ferro de um dos bancos com tal força que chegou a machucar suas costas. A primeira reação, apesar da dor, foi se desculpar, tentar sair daquela prensa. Mas, a moça se esfregando cada vez mais acintosamente não o deixava sair. No princípio ficou com medo do que os outros passageiros iriam pensar. Era ele a encoxar a noviça. Foi quando o tal "negócio esquisito" tomou conta de sua cabeça. Com cuidado para que ninguém notasse, levantou o hábito da garota, meteu a mão entre as suas pernas e foi subindo até ter sua bunda na palma da mão. Sentiu a calcinha da agora assustada e excitada noviça e com um puxão arrancou a peça que um relance, entre o ruído de tecido rasgado e o estalo do elástico se rompendo, foi parar no seu bolso. A noviça se afastou procurando dissimular a surpresa com um sorriso indecifrável. Algumas paradas depois elas desceram. Entre risos e gritinhos nervosos das meninas as três se perderam no aguaceiro. Aproximou a calcinha do rosto como se fosse um lenço e curtiu o cheiro íntimo da morena.
Sábado, dia sem atrativos. A noite pior ainda para quem não tem amigos. Costumava se perder na multidão que ocupava a praça da Matriz. De vez em quando dava umas voltas pela zona. Só para paquerar. Até chegava a se divertir fingindo negociar com as putas. Mas não tinha coragem de transar. Morria de medo de pegar alguma doença, tanto a mãe o alertara dos perigos da vida liberada. Órfão de pai, pressionado pela super proteção da mãe, sempre viveu isolado. A solidão na verdade não o incomodava. Era feliz com a liberdade em que vivia. Quando às vezes alguma garota o impressionava sentia certa melancolia. Mas sua timidez era barreira que não conseguiria romper. Quase sempre nas noites de sábado, depois de algumas voltas pela cidade ia cedo para o barraco conviver com seus fetiches.
Aquele dia não parecia ser diferente. Acordou tarde e saiu sem destino. Grande armação num terreno próximo ao centro chamou sua atenção. Imenso palco era erguido. Anunciavam para aquela noite a apresentação de famosa dupla caipira. Como qualquer coisa que quebra a rotina de cidade pequena, curiosidade geral. Uma quase multidão acompanhava o trabalho da montagem. Grandes caixas de som testadas faziam prever o alvoroço que aconteceria no pedaço. Câmeras em altas torres eram ligadas a imenso carro com cores e logotipo de importante rede de televisão. Atrativo irresistível. Juca não conseguiu sair do local. Queria ficar bem perto dos artistas. O show, marcado para as oito da noite, mas assim que foi escurecendo uma quantidade de gente como ele nunca poderia ter imaginado se espremia junto ao palco. Pouco antes das oito o aperto era sufocante, quase insuportável. Se quisesse sair não conseguiria mais. O empurra-empurra transformou aquela gente em maré humana que se agitava em ondas sem nexo, povoada de risos, gritinhos de deboche e histeria. Uma fumaça branca como neblina com cheiro de glicerina tomou conta do palco. Luzes. De um brilho nunca visto. A gritaria foi crescendo até que o som explodiu abafando o ruído da platéia maravilhada. Empurrado de um lado para outro Juca se deixava levar. Era impossível contrariar o movimento daquela massa humana. Na verdade achava até divertido. De vez em quando uma bunda mais volumosa passava. Era mão de todo lado. Aquele mar de gente ia se agitando e cantando ao ritmo das violas elétricas e dos refrões: "E se de dia a gente briga, de noite a gente se ama. É que as nossas diferenças acabam no quarto em cima da cama..." Foi quando um rosto conhecido apareceu por um instante no meio daquela zorra. Aninha. Aos empurrões Juca foi chegando mais perto. Ela e uma amiga curtiam o espetáculo. Com muita dificuldade Juca se aproximou. No palco, a música rolava: "Como é bonito ver deitado, ao nosso lado, o seu lingerie jogado sobre a minha calça jeans..." Depois de muito esforço conseguiu ficar bem atrás de Aninha que vestia uma mini-saia justa e provocante. Seus longos cabelos louros agitados ao ritmo das violas, vez por outra acariciavam o rosto do rapaz envolvendo-o com seu perfume. Jamais tinham estado tão perto. Chegaram a ficar com os corpos colados. Foi quando aquele “negócio esquisito” bateu de novo. Com o coração aos pulos, enfiou a mão debaixo da saia da loirinha que parecia não dar bola. Juca prosseguiu lentamente a apalpar as coxas da garota, agora excitado com a certeza que ela curtia. Até que parou de repente, como que atingido por um raio gelado nas entranhas. Naquele aperto e com certa facilidade a garota girou seu corpo ficando cara a cara com Juca absolutamente estático. Aninha encarou profundamente a alma do espantado rapaz como que sabendo estar ali quem levou a calcinha da sua mãe. Com gestos sensuais, numa dança provocante, Aninha se esfregou por alguns instantes no corpo petrificado de Juca. Em seguida, com uma gargalhada ruidosa e debochada puxou a amiga pelo braço e antes de se perder na multidão deixou um último olhar de desafio na direção do ainda aparvalhado e assustado rapaz, que acabava de constatar que Aninha...não usava calcinhas.
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Solano Ribeiro
2009