Eugenia Melo e Castro

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

A mancha na parede

Na semilua
entre ruídos eletrônicos
e gemidos de dor
a espera é a única
companheira

Na rua temida
cravam punhais
trocam tiros
na caça de parca
ou improvável
recompensa

Uma vida é tirada
sem a contra partida
de perdão ou castigo

Centenas de corpos

nus
efileirados

admitem sua culpa
e revidam pelo respeito

Bandeiras hasteadas a esmo
representam sentidos
representam motivos
Nada além de revolta
sem facções ou ideologia

A mancha na parede
com o passar dos dias
deixará de ser percebida
Logo outra aparecerá
e será notada por algum tempo,
até se perder no cotidiano.

Solano Ribeiro

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Donde?

Por José Saramago
Donde saiu este homem? Não peço que me digam onde nasceu, quem foram os seus pais, que estudos fez, que projecto de vida desenhou para si e para a sua família. Tudo isso mais ou menos o sabemos, tenho aí a sua autobiografia, livro sério e sincero, além de inteligentemente escrito. Quando pergunto donde saiu Barack Obama estou a manifestar a minha perplexidade por este tempo que vivemos, cínico, desesperançado, sombrio, terrível em mil dos seus aspectos, ter gerado uma pessoa (é um homem, podia ser uma mulher) que levanta a voz para falar de valores, de responsabilidade pessoal e colectiva, de respeito pelo trabalho, também pela memória daqueles que nos antecederam na vida. Estes conceitos que alguma vez foram o cimento da melhor convivência humana sofreram por muito tempo o desprezo dos poderosos, esses mesmos que, a partir de hoje (tenham-no por certo), vão vestir à pressa o novo figurino e clamar em todos os tons: “Eu também, eu também.” Barack Obama, no seu discurso, deu-nos razões (as razões) para que não nos deixemos enganar. O mundo pode ser melhor do que isto a que parecemos ter sido condenados. No fundo, o que Obama nos veio dizer é que outro mundo é possível. Muitos de nós já o vinhamos dizendo há muito. Talvez a ocasião seja boa para que tentemos pôr-nos de acordo sobre o modo e a maneira. Para começar.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Spread

O Brasil tem duas moedas. Uma a nossa, que vale algo perto de zero vírgula qualquer coisa por cento ao mês. A outra, é a dos bancos, que dependendo das circunstâncias, custa até quinze vezes mais, ou mais. A desculpa alegada pela diferença, ou o “spread” é o risco da inadimplência. Mas, os lucros que acusam é um escárnio para quem aqui em baixo, ralando, tenta produzir. Aqui, banco não banca, agiota. E ainda ficam discorrendo a propósito da péssima distribuição de renda vigente no país. Como se a culpa não fosse deles, que além cacifados pelos juros escorchantes e tarifas imorais tomaram as devidas providências para proteger seu rico dinheirinho criando o mais invasivo, agressivo e desrespeitoso sistema de cobrança que se tem notícia no mundo. Invadem a privacidade do cidadão, pelo telefone, qualquer dia e hora. Além de distribuir a intimidade do devedor aos colegas por meio dos serviços de proteção ao crédito, transformando qualquer transação mercantil numa atividade tão arriscada como gastar além do limite do cheque especial, ou comprar a prazo com o cartão de crédito. Enquanto a violência e impostos aumentam, aqueles caras de Brasília fazem de conta que não é com eles. O que serve de desculpa para que continuem a não fazer nada. A não ser cuidar muito bem da própria distribuição da renda. A do cidadão, cuja única via é através de salários mais dignos e empregos criados com o dinheiro dos bancos, se canalizado para a produção, deixa para lá. O problema social passa a ser o bode expiatório. Não é com eles. Culpa da história. Como se não estivessem ganhando para escrevê-la. Se você deve para o governo passa a ter seu nome na divida ativa. Quando o governo é devedor a divida silenciosamente passa a ser inativa. Pagar precatórios, nem pensar. Os Estados Unidos, assolados pela crise e para estimular o consumo, na tentativa de que o país keep walking, baixaram os juros para 0,25 ao ano. Vale repetir, ao ano. Enquanto aqui, os viadutos continuam a ser a única opção imobiliária para a turma do social. Mas, nem tudo esta perdido. Sem levar em conta que viadutos podem cair, a cachaça foi tombada. Agora é patrimônio nacional. Mesmo com as águas a rolar, a cachaça é nossa! Fico pensando na preocupação que isso deve causar aos escoceses. Feliz 2009...Cruzes!
Solano Ribeiro