Eugenia Melo e Castro

domingo, 28 de junho de 2009

Off do Off Flip

Noite de estréia

No final de tarde muito fria, diante da bilheteria do teatro, longa fila confirmava a expectativa pela primeira montagem da nova companhia de comédia promovida por eficiente campanha publicitária. Para a noite de estréia os ingressos não seriam vendidos, mas trocados. Um quilo de alimento não perecível. Para cumprir o preço ajustado todos na fila traziam algum pacote, caixa ou lata. – Vai ser um arraso – pensava o gerente, já prevendo meses de casa lotada. O diretor, aos berros, corria irado pelos bastidores clamando pelos sapatos dos atores que ainda não haviam chegado. - Mas eles prometeram... Gritava. – Desde que pagos... Completou o produtor em tom baixo para não ser ouvido pelos atores descalços, que sentados no imenso palco vazio, iluminados pela fraca luz de serviço, recusavam fazer o último ensaio. O autor, na penumbra da platéia, roia unhas ressecadas temendo os críticos impiedosos que só esperavam o fechar do pano para desabar venenosas palavras sobre suas palavras cuja seqüência havia procurado tornar coerente, lúcida e fluente em frases elaboradas com todo o cuidado. Tinha esperança de obter alguma emoção, riso ou lágrima, desde que qualquer emoção fosse. No palco, o diretor atônito diante do elenco sem sapatos, na expectativa de alguma resposta perguntava aos berros para a escuridão da platéia vazia: - Os adereços...Onde estão? Cadê os figurinos? E o cenário? Como pretender aplausos se nada temos alem de atores sem sapatos? Num canto isolado da boca de cena, equilibrado no topo de longa escada prateada, obedecendo a instruções de gorda e convicta iluminadora que da cabine envidraçada gesticulava gritos inaudíveis, o eletricista posicionava com focos aleatórios refletores apagados. Esperava que coincidissem com as marcações ensaiadas. - Na hora sai, pensava, lembrando de antigas montagens improvisadas. A fila crescia e se agitava. As portas já deveriam ter sido abertas. O vento frio e cortante prenunciava chuva impiedosa que logo iria castigar os já irritados espectadores. As notícias dos bastidores não conseguiam tirar o otimismo do gerente embevecido pela fila que não parava de crescer. Já tinha planos para o dinheiro que não via a hora de contar. Não naquela noite, ele sabia. Mas, o conteúdo das latas, caixas e pacotes, já deveria valer alguma coisa. No mínimo para alimentar os atores. Num diálogo mudo, para não provocar a ira do elenco que recusava fazer parte da encenação sem sapatos, o ator principal repassava, com bela e pálida coadjuvante, longo texto a ser contracenado. Tímido, procurando não ser notado, o dramaturgo acompanhava o conflito que surgia naqueles murmúrios decorados. Cheio de tiques nervosos, com tufos dos cabelos negros da figurante, o maquiador colava bigode mal ajambrado no líder semicareca dos comparsas cooptados, enquanto o chefe dos sem sapatos agitava maltrapilha bandeira encarnada. A chuva bateu forte, desvairada. Desfeita a fila pela tormenta a platéia em delírio molhado aplaudia portas fechadas. Convocado sob ameaças e já rendido às evidências o diretor estava prestes a reconhecer seu fracasso. Obedecendo a estalo dos dedos do gerente, até então preparados para contar dinheiro, o porteiro magricela providenciou a abertura das portas. Em segundos, verdadeira avalanche humana ocupou todos os lugares. Logo, palmas ritmadas exigiam o primeiro ato do sucesso anunciado. O diretor aturdido questionou ao gerente a abertura do teatro. - Você ficou louco! E agora? - E agora, respondeu, vá explicar a eles o que vai acontecer. Decidido a enfrentar mais aquele desafio surgiu frente à cortina sem saber a desculpa que iria dar. Um canhão de luz o iluminou frente à platéia que, imaginando iniciada a função, irrompeu em aplausos delirantes. Surpreso, decidiu contar a verdade. Pediu que fossem abertas as cortinas e acesas as luzes para que todos vissem o cenário inacabado. Chamados um a um à cena aberta, atores e figurantes sem sapatos contavam com humildade suas histórias íntimas, tristezas e as frustrações pelas falhas agora reveladas. Falou o maquiador, o cenógrafo, o figurinista e também o maquinista. O contra-regra, a iluminadora e depois o eletricista fizeram depoimentos entremeados com fatos de suas intimidades, paixões e ansiedades. Por vezes tristes, outras, engraçadas. A platéia fascinada com tamanha originalidade seguia em silêncio o desfilar de histórias simples, mas comoventes de gente tão sincera. O tempo foi passando e quando todos já tinham feito seu relato, o autor, saindo do lugar onde se escondia, temeroso pela reação da platéia, descalçou os sapatos e subiu ao palco. Com calhamaço de papel na mão que significava o texto a ser encenado foi o último a fazer uso da palavra. Mostrou ao respeitável publico a pilha de papeis dos quais a muito não se separava. Quase num soluço conseguiu murmurar: - Aqui está a minha obra. Anos de trabalho, anos de vida, e para que? Para que vocês, longe de suas vidas, possam viver um pouco de vidas criadas por minha imaginação e pelas palavras tornadas vivas. Cuja paga maior são apenas alguns segundos do seu aplauso. Para que tenha valido a pena, para que eu sinta algum sentido na minha vida. E tudo deixa de ser possível por pequenos detalhes. Hoje, a falta de alguns pares de sapatos...E abaixou a cabeça. A platéia de pé rompeu em aplausos. Um a um, atores e pessoal dos bastidores foram deixando o palco diante daquela gente emocionada, que sem controlar as lágrimas, não parava de bater palmas. Foi quando ecoaram delirantes gritos que tornavam aquele momento memorável para qualquer profissional de teatro: - Bravo! Bravo! Bravo! E o autor saiu lentamente do palco enquanto a cortina era fechada. O elenco teve que voltar várias vezes para agradecer aos aplausos. A noite de estréia está em cartaz há onze meses, sempre com casa lotada.

Solano Ribeiro
2009


sexta-feira, 26 de junho de 2009

A Mancha na parede - (Para Vlado)

Ruídos eletrônicos,
gemidos e gritos
fazem da espera
a única companheira.

Uma vida é tirada
sem perdão ou castigo.

Exibem a foto
para mostrar o fato
sem revelar o ato
que resultou na foto.

A mancha da parede
com o passar dos dias
deixa de ser percebida.
Logo outra aparecerá
e será notada por algum tempo,
até se perder no cotidiano.

Se não mudar a história.



Solano Ribeiro

quarta-feira, 24 de junho de 2009

É tempo de Wimbledon

Tênis - Para principiantes

Tênis, jogo que por causa do Guga ficou na moda, é uma espécie de ping-pong tamanho família. Só não é jogado em cima de uma mesa e quem o pratica usa sapatos que levam o nome do jogo. Mas o princípio é o mesmo, bater com uma raquete bem maior e cheia de cordas de nylon numa bolinha fazendo-a passar por sobre uma rede para cair nos limites indicados por algumas poucas linhas do outro lado, sempre procurando fazer com que o adversário, que em geral fica em linhas iguais e diretamente opostas, não consiga fazer com a bolinha nas suas linhas o que você tenta fazer com ela nas entre linhas do lado dele.
O tênis é o tipo de jogo inglês por excelência. O jogador nunca tem contato direto com o adversário, apesar da certeza de que ele esta lá, do outro lado. (os adversários dos ingleses estão sempre lá, do outro lado). Os tenistas jogam contra a rede, as linhas, os juizes, e a bolinha que sempre vem arremessada pela raquete do tenista que está do lado oposto. Existe o juiz de cadeira, que fica sentado um pouco acima dos jogadores e os juizes de linhas, um bando de atentos semi-agachados, cuja missão é dar um grito lancinante quando a bolinha cai fora do que costumam chamar de quadra e que às vezes levam tímidas vaias de sempre educados espectadores. Tênis é sinônimo de cavalheirismo.
Um bando de garotos bem comportados, movidos a promessas de que, se não cometerem nenhuma gafe durante o jogo, no futuro poderão ser promovidos a juizes de linha para gritar à vontade quando a bola sair dos limites, ou mesmo se tornarem jogadores com chance de serem campeões, ficam a postos para apanhá-la e em seguida devolvê-la aos tenistas, homens ou mulheres de fino trato, que não podem passar pelo desconforto de sair catando bolinhas como quem sai atrás de pintinhos amarelos desgarrados.
Ninguém jamais viu dois tenistas brigando. Na verdade isso seria uma deselegância impensável. Ele pode gritar a esmo, xingar a si mesmo, reclamar de eventuais decisões dos juizes de cadeira ou de linha, quebrar a raquete ou até criticar o comportamento do público, mas jamais na história do tênis, algum jogador saiu às vias de fato com o seu adversário. A não ser através de sua assessoria. Questão de educação. A filosofia do jogo parece ser - “nem tudo está perdido” - ou seja, sempre será possível corrigir eventuais gafes. Também coisa de inglês.
Os tenistas ficam o jogo todo tentando fazer com que a bolinha passe para o outro lado da rede, (que deve ser caríssima, pois a maioria traz a marca Mercedes Benz), sem deixar que saiam do limite imposto pelas linhas que formam a quadra, que por questão de economia também são utilizadas para jogos de duplas, o que faz com que existam linhas que valem e outras que não, como as leis brasileiras. Mas os ingleses jamais as confundem.
A contagem, para os não iniciados, é um dos segredos mais bem guardados pelo império britânico. Outro é a graça que acham no jogo de Cricket. No tênis, o primeiro ponto vale quinze, o segundo também quinze, o terceiro dez, e o quarto ninguém jamais saberá. Mas esse quarto e último ponto é o que pode decidir o que eles chamam de game, que não é o jogo todo como pode parecer numa tradução literal, mas apenas uma fração de um set e o jogador que ganhar seis games será considerado o vencedor do set que tem seis games. “God shave the Queen”. As vezes no game acontece um empate nos quarenta pontos. Nesses casos, não basta chegar aquele número misterioso, pois será sempre necessária uma diferença de dois pontos que não tem nome específico. Quem conseguir um ponto a mais passa a ter uma “vantagem”. Se quem estiver sacando ganhar o ponto seguinte fazendo a diferença de dois pontos, terá feito um “game point” e será considerado o vencedor do tal game.
Mas se o outro ganhar depois de ter passado pela vantagem, terá conseguido um “break point” ou, quem sacou não levou. Teve o seu serviço quebrado.
Vai sair vencedor quem fechar o maior número de sets e ganhará cada set quem fizer com que o adversário perca mais games. Mas definitivamente o mais importante é quebrar o saque do oponente, ou seja, ganhar o game quando quem saca é o outro, pois é aí que está a graça do jogo. Sacou?
O jogador que saca tem uma certa vantagem, pois no primeiro saque, também chamado de serviço, ele pode arriscar uma tremenda raquetada e não vai ter nenhum prejuízo se errar. Ele tem a chance de um segundo serviço, só que desta vez tem que acertar sob pena de cometer uma dupla falta, facilmente identificada pelo berro do juiz de linha - FAULT - que quando acontece em dois saques seguidos significa a perda de precioso ponto no game. Se o cara que saca perde mais pontos, ou seja, se quem está na frente é o jogador que não está sacando, a contagem é feita ao contrário; zero - quinze, zero - trinta, quinze - trinta e assim por diante, até que consiga chegar àquele número que jamais alguém saberá e então terá quebrado o serviço do outro. Para o cara que quebrou o serviço ganhar o set, basta não perder mais nenhum game quando estiver sacando que estará feita a diferença de dois pontos, sempre necessária.
Se não acontecer quebra de serviço o jogo vai de game em game, até que um dos tenistas ganhe seis deles. Mas o outro também pode ganhar seis games fazendo seis a seis no set, e aí teremos o “Tie Break”, para os ingleses a quebra do empate. No tie break, ganha quem chegar primeiro ao sétimo ponto, o que geralmente é fácil da gente ficar sabendo, pois é chamado de set point. Bom, isso se o adversário não chegar um ponto atrás, pois para ganhar no tie break também é preciso a tal diferença de dois pontos, o que às vezes faz com que a quebra de empate, ou desempate, termine com vinte sete para o que ganhou e vinte cinco para o que perdeu.
Parece confuso? Parece e é. Mas não na Inglaterra, país em cuja moeda até pouco tempo a soma de doze mais doze dava vinte, onde a mão de direção no trânsito é ao contrário, assim como o próprio volante, que lá é na direita. Se na Inglaterra você dirigir seu carro na mão que seria correta para um brasileiro leva uma multa desse tamanho, e em inglês. Isso se antes não tiver dado uma puta porrada.
O jogo de tênis tem três ou cinco sets, dependendo da importância do torneio. Alguns têm três sets na fase eliminatória e cinco na partida final, no geral um jogo que vale uma grana preta, mesmo pra quem perde. Nos jogos que tem três sets será vencedor quem ganhar dois deles e nos jogos com cinco, ganha quem fechar com vantagem três dos sets. Fácil não?
As partidas entre mulheres são em três sets para que não cansem demais. Mas já existe uma ONG defendendo o direito da mulher também jogar cinco sets, desde que parem de gritar ou gemer ao dar suas raquetadas. As “vantagens” já citadas acontecem quando no game, set ou "Match point", um dos jogadores fica a um ponto de ganhar o tal game, set, ou match. Nos jogos com cinco sets, a vantagem é de quebra para quem assiste, pois poderá ir almoçar se quiser, tirar uma soneca ou até pegar um cinema porque quando voltar o jogo ainda vai estar rolando animado até que um dos jogadores consiga fazer o chamado “Match point”, o ponto do jogo. Nem sempre o ponto do jogo é o último a ser disputado, pois se quem estiver para fechar a partida perder o ponto do jogo vai ter que conseguir outro o que pode significar uma tremenda mão de obra até chegar de novo lá. Isso se o Match Point não for conseguido pelo adversário, o que acontece com freqüência. Ficou convencionado pelos ingleses, e o mundo inteiro aceitou, que ganhará o jogo quem ganhar o tal de “Match point”.
De vez em quando no meio de uma partida os tenistas fazem uma pausa e sentados um de cada lado do juiz, que sempre estará lá em cima, aproveitam para pensar na vida e no pão que estão ganhando. Mas nessa hora, todos sem exceção, costumam enxugar o suor do rosto. Os jogadores aproveitam também para tomar um gole de água mineral ou de energético com a marca de um dos vários patrocinadores do torneio. É aí que a televisão tem a oportunidade de faturar, colocando no ar os seus comerciais. Quase sempre quando termina o intervalo o jogo já recomeçou. Mas ainda assim não vai ser problema você saber o que está acontecendo, porque não terá acontecido nada muito diferente. Bom, às vezes você vai perceber que os jogadores trocaram de lado.

© Solano Ribeiro

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Vender Palavras

Estou a vender palavras.
Podem ser caras ou baratas.

Para o bom entendedor
hão de custar a metade.

Já palavras ao vento,
ficarão ao seu sabor.

Para o ricaço empolado,
vão custar dobrado,
pois certamente servirão,
pra render mais um bocado.

A de honra...
não tem preço!

Para a garota que passa,
apenas palavras de graça.
E pra’quele mulherão,
só os olhos falarão.

Para o velhote, coitado,
custarão nada,
pra não comprometer
sua renda aposentada.

Aos poderosos, maiores preços,
pois com palavras caras
surgirão novos endereços.

Ao quase poeta,
aquele boêmio solitário,
o reino da terra, do céu,
da verdade,
que saiba do dicionário,
tirar toda a felicidade

Bêbados que me perdoem,
e também criancinhas chatas,
mas não quero em boca mole,
palavras que não se escolhe.

Aos colegas poetas um pedido,
me emprestem sua matéria prima,
afinal, como eles,
só sei viver da rima.


Solano Ribeiro / 2009